Excepcionalmente, permito-me postar um texto que não é de minha autoria, mas de um sociólogo francês - Michel Maffesoli - sobre a educação na atualidade. Trata-se de trecho de uma entrevista concedida por ele em abril p.p. ao jornal "Zero Hora". Penso que suas considerações merecem ser lidas.
ZH – No Brasil, temos
uma discrepância entre o modo de agir e pensar dos jovens e o sistema
educacional. Na sua visão, é preciso fazer uma grande ruptura nesse sistema?
MM – Eu penso que o sistema educacional é um sistema totalmente
apodrecido, que não funciona mais. Eu não acho que haja uma reforma
possível para a educação, mesmo as progressivas. Eu diria que a educação
moderna, que havia antes, não é baseada em iniciação, e há uma diferença entre
educação e iniciação. A educação, que vemos em universidades e instituições e
funcionou bem durante a modernidade, é verticalizada. Enquanto que a iniciação
é horizontalizada. A iniciação tem uma ideia de acompanhamento e encontra um
ponto de ajuda justamente na internet. É um paradoxo pós-moderno. A educação de hoje encontra paralelo antropológico na ideia das tribos antigas, quando as pessoas
eram iniciadas. Na pós-modernidade se volta para a iniciação, com a
utilização da internet. As instituições educacionais estão coladas a uma ideia
de verticalização: eu sei algo que você não sabe e eu estou passando
conhecimento para você. Na iniciação, há uma horizontalização, como na
wikipédia. A internet mostra que é assim que as coisas funcionam na
pós-modernidade, com a ideia de compartilhamento.
ZH – No mundo
do trabalho há também essa dificuldade de adequar jovens aos sistemas
verticais?
MM – A hora-trabalho é uma ideia vertical e moderna, ao passo que hoje
os jovens têm mais apego a questões ligadas à criatividade. É uma mudança de
valores, uma questão da qualidade de existência. Não se quer mais perder a vida
para ganhar a vida. Há uma dicotomia. Não querem mais perder a vida para ganhar
a vida, não querem mais desperdiçar a vida para ganhar algo. Os jovens têm a ideia
de transformar a sua vida em uma obra de arte. Esse é um dos cernes da
diferença entre a modernidade e a pós-modernidade.
ZH – E como ficam
as profissões mais tradicionais, em campos como Medicina, Direito e Engenharia?
Há um risco de os jovens perderem o interesse nesse tipo de profissão?
MM – Numa
perspectiva a longo prazo, passaremos a ver as pessoas tendo mais vidas dentro
de uma mesma vida. A pessoa não terá mais uma profissão fechada. Dentro dessa
ideia, existirá um alongamento da vida e, por isso, as pessoas poderão ter não
só uma profissão, como advogado ou professor, mas transitarão mais. As pessoas
não terão uma função, mas sim um papel. São questões pré-modernas que eu
acredito que vão voltar. O sujeito não tinha uma função, mas um papel dentro do
grupo.
ZH – Isso também pode se refletir na família?
ZH – Isso também pode se refletir na família?
MM – Sim, passa pela família. Não teremos mais famílias mononucleares,
com um pai, uma mãe e as crianças. Isso se espalha também pela formação da
família, pelas possibilidades de sexualidade. Serão novos modelos de família e,
ainda dentro dessas famílias, novas maneiras de exercitar esses núcleos.
ZH – Como se
preparar para lidar com duas visões tão diferentes de mundo, entre os jovens e
os mais velhos? Não são visões de mundo conflitantes?
MM – Não acredito que vá haver um conflito tão intenso. Eu não penso que
há um choque. Simplesmente, os mais velhos irão desaparecer progressivamente
(risos). Eles vão morrer, e os jovens vão dominar a sociedade e carregarão
esses novos valores. As próximas gerações serão as constituintes e as mais
velhas irão caducar e desaparecer.
ZH – Então, não há
caminho de volta?
Não, não
há (rs). Assim é a vida.